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terça-feira, 25 de março de 2014

Ivo Fernandez Lopez - Depoimento Eliane

Abro espaço aqui, pra mais um depoimento sobre o nosso querido Ivo, desta vez, da prima, que cresceu com ele. Obrigado, Eliane!!!
Estou aguardando alguns depoimentos para lançar os restantes....
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Algumas palavras aos amigos do Ivo

Nós não nos conhecemos pessoalmente, mas temos um ponto muito importante em comum na vida: o Ivo. Foi através de alguns depoimentos de amigos dele nas últimas semanas que fiquei sabendo algumas coisas sobre o Ivo: que o seu apelido na Petrobras era Deus, embora eu soubesse que ele era o maior especialista em reservatórios de petróleo que essa companhia já teve. Natural: a humildade e simplicidade era um dos seus traços de caráter, lembrado por várias pessoas. E embora soubesse que ele trabalhava duro em desenvolvimento de softwares de simulação de reservatórios, ele nunca me contou que corrigia o código dos fornecedores comerciais! Foi também através desses depoimentos que descobri que existe uma sala no curso Bahiense chamada Ivo Fernandez Lopez! Muito merecido! Acredito que nenhum dos vivos da família saiba disso. Nem sei se alguém já soube! Bem, mais um exemplo da sua modéstia! A partir daí decidi coletar algumas das minhas experiências de vida com ele, que compartilho com vocês.

Conheço o Ivo desde os meus primeiros anos de idade, pois sou prima de primeiro grau dele e tenho um ano a mais que ele de idade. No início da infância, convivemos bastante. Fizemos alguns piqueniques juntos em Paquetá (quem da nossa idade não fez?), com nossos pais e um casal de tios, que eram também padrinhos do Ivo. Esses tios adoravam Ivo e Maria Helena, sua irmã, e eram por eles adorados. Depois, por alguns anos e até a adolescência, deixamos de nos encontrar, por motivos familiares que não são relevantes. Nesse período, praticamente só nos encontrávamos no dia de Natal, na casa de tios, ela sendo irmã do meu e do seu pai. E era uma alegria, podermos brincar juntos com os brinquedos e jogos que ganhávamos! E lembro também do dia que brincávamos de batatinha-frita-um-dois-três na casa dessa tia, o Ivo com o rosto coberto e eu e a irmã dele correndo, quando fomos surpreendidas pelo cachorro pequinês da nossa tia, que detestava pessoas que corriam. Qual não foi a surpresa do Ivo quando se virou e, ao invés de ver duas “estátuas”, viu duas meninas correndo ao máximo e um cachorrinho “feroz” nos nossos calcanhares!

Estudamos no mesmo colégio, Escola República da Colômbia, que fica no meio da rua Camerino, no Centro. No último ano, participamos juntos do grupo da bandeira, eu como porta-bandeira, por ser de uma classe mais adiantada e ele como participante do grupo. Fazíamos com seriedade o trabalho de hastear diariamente a bandeira e participar dos eventos cívicos da escola, entendendo como um importante dever cívico. Mas havia também episódios curiosos. Recentemente, ele me contou um do qual não me lembrava mais. Um dia, na saída da escola, ao descer correndo e distraído as escadas da saída, caiu em um bueiro que estava aberto bem à frente. Minha mãe, que me esperava sair, estava ao lado e foi a primeira pessoa que o socorreu. Ah! Como era distraído o meu primo!

Na adolescência passamos a conviver muito mais. Passei a ir frequentemente na casa deles, que era próxima da minha. Passei muitas horas de muitas tardes conversando com ele. Conversávamos sobre a vida, coisas existenciais, planos para o futuro, filosofia. Éramos dois teóricos da vida. Vida na prática, nós só aprendemos ao longo dos muitos anos seguintes, passando por todos os sucessos e fracassos, alegrias e tristezas que fazem parte da vida de cada um de nós. Embora não lembre exatamente o teor dessas conversas, elas me marcaram muito. Lembro que concordávamos em muitos aspectos e era isso que tornava essas tardes tão memoráveis! Ao retornar para casa, tinha que lidar com a incompreensão de minha mãe, que me perguntava sobre a saúde dos familiares e outros assuntos mais mundanos que, naturalmente, nem passavam perto das nossas conversas!

Também fiz curso na UFRJ, engenharia química. Entrei um ano antes e lembro-me do período que se seguiu ao vestibular de 1976, quando o Ivo passou em primeiro lugar (isso eu lembro bem!). Foi um momento de muita pressão. Surgiram repórteres de todos os lados, querendo conhecer o menino pobre que tinha passado em primeiro lugar no Vestibular do Cesgranrio. E pessoas pouco escrupulosas oferecendo vantagens para ele dizer que tinha feito o curso A, B ou C. Muito triste constatar que essas coisas acontecem! Ele havia feito Bahiense e nem cogitou em falar algo diferente. A placa na porta da sala do Bahiense indica que naqueles dias de tensão, ele também tomou a decisão certa. Mas foi uma pressão excessiva para um menino de 17 anos e, alguns dias depois, ele teve uma crise de úlcera e foi internado. Não lembro muito do que aconteceu depois, acho que apaguei um pouco da memória. Alguns meses depois, mais uma coisa triste. O pai dele sofreu um acidente de trabalho e faleceu. De novo, o menino de 17 anos às voltas com perda e sofrimento. Dois anos depois, mais uma perda. O padrinho querido, que para ele era um segundo pai, também foi embora. Ele foi muito forte naquela fase muito difícil e admiro-o por isso. Eu perdi o meu pai apenas com 50 anos de idade e, até hoje foi a perda mais dolorosa que sofri. Agora existe essa segunda, que estamos compartilhando.

Mas com o tempo, a vida nos faz ver que é preciso caminhar e momentos bons aconteceram ao longo dos anos de UFRJ. Fui para a universidade muitas vezes com ele. Não tinha coragem de pegar carona na entrada da cidade universitária sozinha. Então, quando ia sozinha, esperava horas pelo ônibus que entrava na Cidade Universitária, e que estava sempre lotado. Mas muitas vezes ia com ele, quando nossos horários coincidiam. Pegávamos na Presidente Vargas qualquer ônibus que fosse para a Ilha do Governador, saltávamos na entrada da Ilha do Fundão e pegávamos carona. Falávamos sobre as disciplinas, ele de MEC RAC, que era o terror da Engenharia Civil, mas que ele tirava de letra, como tudo. Conversávamos também sobre a forma certa de fazer as coisas (na faculdade e na vida), sobre ética e retidão de caráter. E isso ele tinha de sobra! Esse era outro traço dele com o qual eu me identificava muito e que foi muito importante nas nossas vidas. A facilidade com que ele conduzia o curso de Engenharia era o mais incrível para mim. Ao contrário de mim que era uma enorme “CDF”, ele não passava horas e horas estudando. Assistia às aulas, estudava um pouco e estava em condições de explicar toda a matéria a todos. Sim, quem o conheceu na UFRJ sabe que ele era muito generoso: passava facilmente nas disciplinas e ajudava todos a passarem também. Fiz um pouco disso também e era novamente um ponto de concordância nas nossas vidas.

Essa generosidade e disponibilidade para ajudar que foi tão comentada por todos, eu também experimentei. Lembro-me de um momento em que decidi usar o sistema Linux, mas eu nem de longe tinha a sua habilidade para instalações e configurações de software. Ele foi à minha casa, passou horas instalando a última versão do Red Hat e, ao final, vendo que eu não tinha nem um jogo de chaves de fenda, me deixou o seu jogo de presente. Cada vez que vejo esse kit, lembro dele...

Ao longo da vida partilhamos outros momentos juntos, um pouco menos na vida adulta, em que os caminhos às vezes não são tão convergentes. Mas sempre surgiam bons momentos para compartilhar e momentos difíceis em que nos ajudávamos mutuamente.

Dos bons momentos lembro que em 1983 viajamos juntos em um grupo grande para passar a Semana Santa em Búzios, no meu recém-comprado Fusca 76. Acho que ele gostaria que tivesse sido uma viagem menos emocionante. Mas ele corajosamente disse que ia comigo, apesar da minha pouca experiência dirigindo em estradas. Felizmente tudo deu certo e foram dias muito felizes! Também fui madrinha do seu casamento, juntamente com o José Paulo, que nunca mais encontrei. Foi em um dia de chuva torrencial. Nas fotos, as roupas aparecem molhadas, mas o sorriso de todos está feliz e iluminado. Visitei o Fábio logo que nasceu, e nos aniversários de um e dois anos, mas acabei não acompanhando muito o seu crescimento. Uma pena, gostaria de rever essa parte se pudesse escrever tudo de novo! Mais recentemente, fomos várias vezes almoçar juntos, com Darci, os pais dela e os meus, no Restaurante do Círculo Militar na Praia Vermelha. Também fui com ele, Darci e os pais dela a uma apresentação de cravo e jantar em Barra de Guaratiba. Foi uma noite linda e nos prometemos que voltaríamos, levando meus pais. Alguns meses depois meu pai adoeceu e faleceu. Outra promessa não cumprida!

Vivemos também juntos muitos momentos tristes: quando da morte de sua mãe, de forma repentina de um ataque cardíaco. Eu fui a primeira pessoa para quem ele ligou, desesperado. Ou na morte de meu pai, quando com a intervenção dele consegui fazer o sepultamento de papai na Ordem do Carmo. Mais tarde, adquiri o jazigo onde ele está. Jamais pensei que Ivo seria o primeiro a compartilhá-lo com meu pai. Acho que devem estar contentes, pois o amor e a admiração de um pelo outro era enorme. Farão companhia enquanto ele aguarda para se reunir aos seus pais, num lugar que ele carinhosamente preparou no Memorial do Carmo.

Uma decisão que nunca entendi foi a de sair da Petrobras. Nesse ponto, acho que eu nunca teria coragem de fazer o mesmo. Mas ele seguiu de forma brilhante, como em tudo que fez. Os depoimentos que li nas últimas semanas, o carinho dos colegas de trabalho e alunos consternados com sua morte e as palavras comoventes do seu professor ao lado do túmulo me mostraram que, novamente, ele seguiu o caminho certo. Em outro momento difícil da vida, ele me disse: “Quando se pensa que sabemos todas as respostas, as perguntas mudam!”. Fiquei surpresa com sua afirmativa, mas depois percebi que era isso mesmo! A vida muda e não nos pergunta se gostamos ou não da mudança, apenas que façamos o melhor a partir de cada momento que vivemos.

O vazio que ele deixa é muito grande. A vida não me deu um irmão de sangue, mas o enviou no papel de um primo. E só posso agradecer a Deus por esse presente. Nos últimos anos, sempre que nos víamos ou nos falávamos por telefone, ele encerrava a conversa dizendo: “Prima, se cuide!”. Que ironia! Onde quer que você esteja: “Primo, se cuide”. E continue com Deus, como você sempre esteve.

Abraços fraternos.
     Eliane Cid 

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