-

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Empobrecimento Lícito



Quando fiz a crítica do segundo filme Tropa de Elite (http://blogdohomerix.blogspot.com/2010/10/sinais-explicitos.html), destaquei um fato que não havia sido falado em lugar nenhum: o já Coronel Nascimento, já sub-secretário de segurança, continuava no mesmo velho apartamento, o que era estacado pela cena em que chega, abre a  geladeira, para beber água, o mesmíssimo apê que a gente conheceu no primeiro filme, quando ele era 'apenas' Capitão Nascimento.

Ao menos um leitor meu (Obrigado, Gert!) registrou aquilo na memória, e lembrou-se de mim agora, quando leu a entrevista de Olívio Dutra, que transcrevo aqui, logo ali embaixo!

Que diferença daquele político gaúcho, dos tantos exemplos que vemos por aí, alguns recentes como o do ministro dos tranportes, seu filho, seu mentor mensaleiro e outros tantos..
.

_____________________________________________

Em um velho prédio numa barulhenta avenida de Porto Alegre, em companhia da mulher, vive há quatro décadas o ex-governador e ex-ministro Olívio Dutra. Em três ocasiões, Dutra abandonou seu  apartamento: nas duas vezes em que morou em Brasília, uma como deputado federal e outra como ministro, e nos anos em que ocupou o Palácio do Piratini, sede do governo gaúcho. Apesar dos diversos cargos (também foi prefeito de Porto Alegre), o sindicalista de Bossoroca, nos grotões do Rio Grande, leva uma vida simples, incomum para os padrões atuais da porção petista que se refestela no poder.
A reportagem é de Lucas Azevedo e publicada pela CartaCapital, 29-06-2011.
No momento em que o PT passa por mais uma crise ética, dessa vez causada pela multiplicação extraordinária dos bens do ex-ministro Antonio Palocci, Dutra completou 70 anos. Diante de mais uma denúncia que mina o resto da credibilidade da legenda, ele faz uma reflexão: "Política não é profissão, mas uma missão transitória que deve ser assumida com responsabilidade".
De chinelos, o ex-governador me recebe em seu apartamento na manhã da terça-feira 14. Sugeriu que eu me "aprochegasse". Seu apartamento, que ele diz ter comprado por meio do extinto BNH e levado 20 anos para quitar, tem 64 metros quadrados, provavelmente menor do que a varanda do apê comprado por Palocci em São Paulo por módicos 6,6 milhões de reais.
Além dele, o ex-governador possui a quinta parte de um terreno herdado dos pais em São Luiz Gonzaga, na região das Missões, e o apartamento térreo que está comprando no mesmo prédio em que vive. "A Judite (sua mulher) não pode mais subir esses três lances de escada. Antes eu subia de dois em dois degraus. Hoje, vou de um em um." E por que nunca mudou de edifício ou de bairro? "A vida foi me fixando aqui. E fui aceitando e gostando."
Sobre a mesa, o jornal do dia dividia espaço com vários documentos, uma bergamota (tangerina), e um CD de lições de latim. Depois de exercer um papel de destaque na campanha vitoriosa de Tarso Genro ao governo estadual, atualmente ele se dedica, como presidente de honra do PT gaúcho, à agenda do partido pelos diretórios municipais e às aulas de língua latina no Instituto de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. "O latim é belíssimo, porque não tem nenhuma palavra na sentença latina que seja gratuita, sem finalidade. É como deveria ser feita a política", inicia a conversa, enquanto descasca uma banana durante seu improvisado café da manhã.
Antes de se tornar sindicalista, Dutra graduou-se em Letras. A vontade de estudar sempre foi incentivada pela mãe, que aprendeu a ler com os filhos. E, claro, o nível superior e a fluência em uma língua estrangeira poderiam servir para alcançar um cargo maior no banco. Mas o interior gaúcho nunca o abandonou. Uma de suas características marcantes é o forte sotaque campeiro e suas frases encerradas com um "não é?" "Este é o meu tio Olívio, por isso tenho esse nome, não é?
Ele saiu cedo lá daquele fundão de campo por conta do autoritarismo de fazendeiro e capataz que ele não quis se submeter, não é?", relembra, ao exibir outra velha foto emoldurada na parede, em que posam seus tios e o avô materno com indumentárias gaudérias. "É o gaúcho a pé. Aquele que não está montado no cavalo, o empobrecido, que foi preciso ir pra cidade e deixar a vida campeira."
Na sala, com exceção da tevê de tela plana, todos os móveis são antigos. O sofá, por exemplo, "tem uns 20 anos". Pelo apartamento de dois quartos acomodam-se livros e CDs, além de souvenires diversos, presentes de amigos ou lembrança dos tempos em que viajava como ministro das Cidades no primeiro mandato de Lula.
Dutra aposentou-se no Banrisul, o banco estadual, com salário de 3.020 reais-. Somado ao vencimento mensal de 18.127 reais de ex-governador, ele leva uma vida tranquila. "Mas não mudei de padrão por causa desses 18 mil. Além do mais, um porcentual sempre vai para o partido. Nunca deixei de contribuir."
Foi como presidente do Sindicato dos Bancários de Porto Alegre, em 1975, que iniciou sua trajetória política. Em 1980, participou da fundação do PT e presidiu o partido no Rio Grande do Sul até 1986, quando foi eleito deputado federal constituinte. Em 1987, elegeu-se presidente nacional da sigla, época em que dividiu apartamento em Brasília com Lula e o atual senador Paulo Paim, também do Rio Grande do Sul. "Só a sala daquele já era maior do que todo esse meu apartamento."
Foi nessa época que Dutra comprou um carro, logo ele que não sabe e nem quer aprender a dirigir."Meu cunhado, que também era o encarregado da nossa boia, ficava com o carro para me carregar." Mas ele prefere mesmo é o ônibus. "Essa coisa de cada um ter um automóvel é um despropósito, uma impostura da indústria automobilística, do consumismo." Por isso, ou anda de carona ou de coletivo, que usa para ir à faculdade duas vezes por semana. "Só para ir para a universidade, gasto 10,80 reais por dia. Como mais de 16 milhões de brasileiros sobrevivem com 2,30 reais de renda diária? Este país está cheio de desigualdades enraizadas", avalia, e aproveita a deixa para criticar a administração Lula. "O governo não ajudou a ir fundo nas reformas necessárias. As prioridades não podem ser definidas pela vaidade do governante, pelos interesses de seus amigos e financiadores de campanha. Mas, sim, pelos interesses e necessidades da maioria da população."
O ex-governador lamenta os deslizes do PT e reconhece que sempre haverá questões delicadas a serem resolvidas. Mas cabe à própria sigla fazer as correções. "Não somos um convento de freiras nem um grupo de varões de Plutarco, mas o partido tem de ter na sua estrutura processos democráticos para evitar que a política seja também um jogo de esperteza."
Aproveitei a deixa: e o Palocci? "Acho que o Palocci fez tudo dentro da legitimidade e legalidade do status quo. Mas o PT não veio para legitimar esse status quo, em que o sujeito, pelas regras que estão aí e utilizando de espertezas e habilidades, enriquece."
E o senhor, com toda a sua experiência política, ainda não foi convidado para prestar consultoria? Dutra sorri e, com seu gestual característico, abrindo os braços e gesticulando bastante, responde: "Tem muita gente com menos experiência que ganha muito dinheiro fazendo as tais assessorias. Mas não quero saber disso".
Mas o senhor nunca recebeu por uma palestra?
"Certa vez, palestrei numa empresa, onde me pagaram a condução, o hotel e, depois, perguntaram quanto eu iria cobrar. Eu disse que não cobro por isso. Então me deram de presente uma caneta. E nem era uma caneta fina", resumiu, antes de soltar uma boa risada.

4 comentários:

  1. Que coisa!!!! Virou meu idolo, o Olivio Dutra.

    ResponderExcluir
  2. Olá Homero,

    Tenho visitado o seu blog com freqüência. Hoje pela manhã fui o visitante No. 29.816. Creio que os 30.000 acessos estão há apenas algumas horas de agora.

    Li algumas crônicas da série Chile e os desabafos sobre nossa política. Nós temos o que a nossa educação e a nossa cultura, herdada desde os tempos de D.João, nos deixaram. Para mudar isso, somente com uma super dose de educação pura e de qualidade injetada na veia, começando lá no ensino básico (antigo primário) e acessível para todos sem distinção de classe social, cor ou raça. É investimento de longo prazo para formar a base da nossa sociedade, dando início a uma corrente onde os filhos terão mais educação que seus pais e poderão ser melhores pais e que darão mais atenção à educação de sues filhos e, dentro de umas três gerações, talvez os resultados sejam visíveis. Investimento de longo prazo que poucos querem assumir. Bom, isso é papo para muitas horas de bar e de blog.

    Acho que já me tornei um leitor regular, pois é impossível não visitar o blog assim que recebemos o e-mail com o link. Seu blog já faz parte da rotina diária junto com o cafezinho. Continue nos brindando com seus textos objetivos de fácil leitura e com temas variados.

    Grande Abraço,

    ResponderExcluir
  3. Sou 29.986º....
    É isto mesmo... A imprensa analítica e investigadora, poderia levantar uma bandeira ativa desta comparação... O Olívio Dutra, seria endeusado, e que sabe chacoalharia as vergonhas!!!!!!!, quem sabe uma campanha popular, do tipo ... o cidadão que abraça o Olivio, se manifeste... os contrários fiquem calados (sentados).
    Paulus
    Paulus

    ResponderExcluir
  4. Esse caso é digno de nota. O que não é digno de nota é a vergonha que vive o Ministério dos Transportes. Recomendo uma visita ao blog do Ricardo Noblat, que destaca que um tal de Pagot, diretor do Departamento Nacional de Infra-Estrutura daquele Ministério, que a presidente Dilma Rousseff tentou afastar do cargo, o cara fez beicinho e não se afastou. Entrou de férias. É mole? É muita esculhambação. Espero que a presidente dê uma enquadrada exemplar nessa galera.

    ResponderExcluir