-

domingo, 24 de dezembro de 2006

Casino Royale

      Este novo filme da franquia mais bem sucedida da história do cinema foi precedido da maior polêmica já criada. A escolha do ator Daniel Craig para encarnar James Bond não foi engolida por boa parte dos fãs, justamente os mais fanáticos: louro, baixo, orelhas de abano, impossível! Eu, ainda que preferisse Hugh Jackman, um dos candidatos, para o papel, fiquei apenas ressabiado, porém confiando em que os produtores Barbara Brocolli e Michael G. Wilson, filha e enteado do primeiro produtor da série, não dariam um tiro no pé, enterrando-a com uma escolha infeliz. Houve um movimento mundial incentivando o boicote, comunidades foram criadas com infindáveis críticas, Craig sofreu, como ninguém antes, um pre-julgamento insensato. Agora, após o filme, uma enxurrada de desculpas invadiu a mídia, tanto dos fãs, como da crítica especializada. Teve uma delas, crítica de cinema renomada, que prometeu comer a edição do tablóide em que criticava desmedidamente a escolha, se o agente implacasse um sucesso. Outro dia, eu a vi cumprindo a promessa, acompanhada por goles d’água.

 
       Ao filme: em branco e preto, a primeira cena mostra as primeiras mortes do agente, ainda sem a distinta categoria ‘Double 0’ do serviço secreto britânico MI-6, com permissão para matar. A cena termina com a famosa mira do revólver para a platéia, pela primeira vez, como parte da própria cena. Depois, na abertura, alusões a naipes e cartas de baralho, pano de fundo para a trama que se desencadearia ao longo do filme. Na primeira missão, já colorida, já como 007, uma fenomenal perseguição, não com jatos, helicópteros, motos, esquis, pára-quedas, ou tanques, mas a pé, pelas ruas de Madagascar. O criminoso é magnificamente desempenhado pelo campeão mundial de corrida de rua, ou ‘le parkour’, nome francês, que significa ‘o percurso’, uma febre mundial que hoje contagia jovens dispostos a chegar aos lugares pelo caminho mais rápido e mais difícil, somente com mãos e pés, sem ajuda de nada mecânico. Primeiro sinal de que o enfoque mudou: o agente está usando a parte física, literalmente suando a camisa, nada do arrumadinho, impecável, terno ou smoking.

         Não vou antecipar mais nada do resto do filme, apenas declarar minha satisfação com as mudanças. Depois do mais fantasioso dos filmes de 007 (Um Dia Marcado Para Morrer - 2003) em que até carro invisível tinha, os produtores resolveram dar uma guinada, ainda que aquele tenha sido o filme com mais bem sucedido da franquia, e trazer o personagem de volta à Terra.  Desta vez não há geringonças, equipamentos mirabolantes e, portanto, tornou-se desnecessária a presença de Q, o gadget provider. Caramba, até Miss Moneypenny eles ‘mataram’. E, por incrível que pareça, nenhum deles faz falta: estou me sentindo um traidor! Felizmente, mantiveram M, a impassível chefe, (magistralmente, como sempre, interpretada por Dame Judi Dench), com quem James trava diálogos memoráveis.

       Levaram para a tela o primeiro romance de Ian Fleming, com adaptações para o dia de hoje, que de forma nenhuma conflitaram com o idealizado pelo autor: o vilão não é patrocinado pela Rússia, mas financiador do terrorismo; ordens de pagamento foram trocadas por transferências eletrônicas; bilhetinhos entregues pelo garçon foram trocados por  chamadas em celular; e trocaram o bacará pelo pôquer, claro, muito mais entendível pela platéia.  Enriqueceram o enredo com situações plausíveis e atuais. Aliás, isto era absolutamente necessário: quando eu acabei de ler o livro, há algumas semanas atrás, tive a certeza de que ali não havia materialidade suficiente para um longa-metragem.

        James está mais humano, menos superpoderoso,  tem conflitos internos, está mais pé no chão, mais próximo da realidade. Acerta, mas também erra! Sofre! Bate e apanha! Sangra! Está mais sensível! Tem uma cena tocante, em que consola a bond girl, debaixo do chuveiro (ambos vestidos!), depois que ela ajuda o agente em uma briga que resultou na morte dos malfeitores. Jamais se esperaria uma atitude como esta em filmes anteriores, aliás, nem na idéia original de Mr. Fleming, diga-se de passagem. Cenas de sexo, só insinuadas, sem aparição de partes íntimas,  no máximo aqueles pezinhos entrelaçados, ao pé do colchão.

      Para terminar o relato: a forma com que Daniel Craig diz a fala mais famosa do cinema (The name is Bond ..... James Bond) é de arrepiar! Nunca antes (nesse país!), a cena esteve mais enquadrada ao enredo e à situação extra-filme. James está se apresentando, não somente ao interlocutor na cena (e o cartão de visitas é bem doloroso!), mas ao mundo todo, já que o filme é uma recriação do personagem. Além do que, o próprio ator se apresenta para o papel. Não há mais dúvidas: 
 Daniel Craig É James Bond! 

2 comentários:

  1. Olá Homerix, retribuindo a visita. E falando sobre um assunto q simplesmente AMO: Bond. Eu sou sim a favor da renovação do universo 007 q estava mto preso à Guerra Fria. Concordo em atualizar temas, épocas mas não as características pessoais de Bond. Craig não é refinado o suficiente para ser 007. Não pensa, sai batendo como se não houvesse uma alternativa melhor, come de boca aberta e não tem o charme que as mulheres fãs de Bond sempre viram e faz parte do seu imaginário. São coisas q a meu ver são atemporais. Qdo Pierce Brosnan fez o papel de 007 teve mta atualização inclusive comportamental mas sabíamos q as características essenciais estavam ali, era só procurar. Sem dúvida q o roteiro de CR é excelente mas a essência do clássico não está no personagem principal. Por exemplo, 007 nunca enfrentou abertamente seu chefe (neste caso, sua chefe). Ficou mto na cara. Bond desobedece ordens sim mas isso fica sutil. O personagem tem q se modernizar porém jamais perder sua essência. Abraço.

    ResponderExcluir
  2. Dois anos e mais dois filmes depois, posso afirmar que Cassino Royale é o melhor filme da série.
    O filme mostra como James Bond vira o agente 007 que conhecíamos nos filmes anteriores. No começo do filme, como você muito bem descreveu, ele ainda não é um agente 00. É um "rookie", um novato, e faz uma série de "trapalhadas". Invade a casa da chefe, desobedece ordens, explode uma representação diplomática no exterior, etc.
    Depois, ao longo da trama, se envolve emocionalmente com a Bond Girl que, ao final, se mostra uma vilã que o trai, justamente devido a essa sua "fraqueza".
    Todos esses "erros" vão forjando sua personalidade como agente 00 o que culmina na cena final onde ele, já mais frio e "impermeável", diz a famosa frase de apresentação: "Bond, James Bond" e o filme fecha com a música tema que não havia sido ouvida até então.
    Essa cena, para mim, significa que naquele momento ele se tornou o agente 007 que conhecíamos dos filmes anteriores.
    O filme, portanto, não é apenas uma história de James Bond mas sim a História da formação do agente 007, James Bond.
    Nota: neste filme o que mais me incomodou no Daniel Craig não foi exatamente sua aparência mais abrutalhada que os atores anteriores e sim o seu quase cacoete em fazer biquinho. Acho que corrigiram isso nos filmes subsequentes (Quantum of Solace e Skyfall).
    Abração

    ResponderExcluir